quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Publicidade Revista Artigo O interrogatório por videoconferência.

O uso do mecanismo, desde que excepcional e devidamente justificado pela autoridade, deve ser admitido, pois não viola as garantias processuais constitucionais.

RESUMO

O artigo aborda as mudanças introduzidas pela Lei 11900/09 no processo penal brasileiro, no que diz respeito à possibilidade de realização de interrogatório de réus presos pelo sistema da videoconferência, analisando os argumentos favoráveis e desfavoráveis da utilização do mecanismo, bem como sua relação com as garantias processuais constitucionais. O tema é de suma relevância, pois permite reflexões acerca das consequências desta ferramenta tecnológica frente aos direitos e garantias do réu e a relação deste instrumento com o controle e redução de custos por parte do Estado.
Palavras-Chave: Interrogatório. Videoconferência. Possibilidade. Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais.

1 INTRODUÇÃO

A promulgação da Lei 11900/09 renovou os debates nos Tribunais e no meio jurídico sobre a constitucionalidade do interrogatório por videoconferência. Apenas renovou, pois, quando os estados de São Paulo e Rio de Janeiro começaram a utilizar tais instrumentos, editando as Leis nº 11.819 de 05 de janeiro de 2005 e nº 4.554 de 02 de junho de 2005, respectivamente, muito se debateu sobre a questão. O principal argumento contrário ao interrogatório por videoconferência, antes da Lei 11900/09, era justamente o fato da ausência de uma legislação federal que regulasse a matéria, argumentando-se pela inconstitucionalidade dos referidos diplomas legais acima mencionados em razão dos Estados estarem legislando sobre matéria processual, que é de competência exclusiva da União, conforme artigo 22, inciso I, da Constituição da República.
Os Estados usavam em sua defesa o argumento de que tais leis regulavam procedimentos, portanto não estariam contrariando a Constituição. Tal argumento revela-se frágil, pois é notório que o assunto envolve o direito de defesa dos acusados, garantia constitucional, não podendo ser considerado mero procedimento, pois altera ato processual, qual seja, o interrogatório. Tal entendimento foi demonstrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o Habeas Corpus 90.900-1/ São Paulo, em sessão plenária, oportunidade em que só a relatora, Ministra Ellen Gracie, defendeu a constitucionalidade formal da lei paulista. Neste mesmo julgado alguns ministros (Marco Aurélio, Cesar Peluso e Carlos Ayres Britto) anteciparam o debate sobre a constitucionalidade material de uma lei federal sobre o mesmo tema, tendo estes ministros de antemão se posicionado pela inconstitucionalidade.
A permissão do interrogatório por videoconferência ainda era debatido em face dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário: Convenção de Palermo, Pacto de São José da Costa Rica, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Convenção Interamericana de Direitos Humanos, sendo tais normas usadas concomitantemente como argumento favorável e desfavorável ao uso da videoconferência nos interrogatórios. Assim, ainda persistia a controvérsia.
A edição da lei 11900/09 parece ter sanado a polêmica, ao menos sobre a constitucionalidade formal, ao regular a matéria em todo o país. Prevalecem, entretanto, as discussões sobre a constitucionalidade material e divergentes são os entendimentos acerca do tema.
Questão importante a ser observada é se após as intensas discussões, o Poder Judiciário irá efetivamente utilizar-se da medida ou, caso contrário, continuar resistindo às inovações tecnológicas frente a um discurso meramente conservador.
Assim, os pontos acima levantados serão discutidos no presente estudo, que terá a seguinte estrutura: Introdução; Conceito e Natureza Jurídica do Interrogatório; Os princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao interrogatório por videoconferência; A segurança pública e a ordem pública como fundamentos do interrogatório on line; Legislação Internacional relacionada ao interrogatório virtual; Argumentos favoráveis e desfavoráveis acerca da utilização do mecanismo tecnológico; Posicionamento do STF acerca do tema; Conclusão e Referências Bibliográficas.
O presente trabalho não pretende esgotar todas as questões acerca do assunto, mas lançar algumas luzes que irão possibilitar reflexões futuras ainda mais profundas.
1.1.Conceito e Natureza Jurídica do Interrogatório
Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Alencar (2011, p. 396), "o interrogatório é a fase da persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa."
Questão extremamente dual e conflitante diz respeito à natureza jurídica do interrogatório. Duas principais correntes surgiram com o intuito de solucionar a discussão.
A primeira vertente defende que a medida é um meio de prova pela qual o denunciado é considerado como instrumento para se obter elementos probantes no bojo do processo. Tal fato encontra fundamentação legal no Capítulo III do Título VII, do CPP.
A segunda posição é aquela que considera o momento processual como meio de defesa, consoante com os princípios constitucionais das garantias individuais, na qual o réu é um sujeito de direitos e deve ver preservado o seu direito à ampla defesa. Tal pressuposto inclui o dever do Estado em oferecer um defensor (constituído ou nomeado) para o acusado durante o interrogatório, permitindo que o mesmo possa conversar reservadamente com seu defensor antes do início da audiência. No ato, caberá ao acusado a discricionariedade de apresentar ou não (conveniência) em juízo sua versão dos fatos. Merece registro o fato de que, mesmo que permaneça calado, tal atitude não implica em presunção de culpabilidade em desfavor do acusado, que pode até mesmo reservar-se ao direito de não dizer a verdade. Caso tal direito ao interrogatório perante autoridade judicial seja violado ou restringido, impõe-se que seja decretada a nulidade absoluta do processo.
Posicionamo-nos no sentido de reconhecer uma natureza intermediária ao procedimento. Assim, o interrogatório seria dotado de um caráter misto, uma vez que seria meio de prova e de defesa ao mesmo tempo, pois o réu tem a oportunidade de expor sua versão acerca do fato ou de calar-se, além do juiz poder extrair do ato elementos imprescindíveis para proferir e fundamentar sua sentença, no caso, por exemplo, do réu confessar a prática do ato delituoso. Tal entendimento é que o tem prevalecido no STJ.

1.2.Os Princípios Constitucionais e Infraconstitucionais aplicáveis ao interrogatório por videoconferência

O interrogatório por videoconferência é regido por princípios constitucionais e infraconstitucionais imprescindíveis para um processo justo e equitativo. A seguir, faremos uma breve análise dos principais princípios atinentes a tal ato processual.

1.2.1 Princípio da ampla defesa e contraditório

O princípio da ampla defesa no processo penal é um desdobramento do princípio do contraditório. Se é por meio deste que se atribui a igualdade entre as partes, será por meio da ampla defesa que essa igualdade ganhará corpo, tornando-se efetiva e palpável.
Nas palavras de Pacceli (2010, p. 31):
O contraditório garante não só o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes e o direito à reação (contrariedade a ambos) – vistos, assim, como garantia de participação-, mas também garantia que a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão.
A ampla defesa e o contraditório representam a possibilidade do réu em contraditar todos os fatos arguidos pela acusação, utilizando-se de todos os meios de prova em direito admitidas.
Partindo-se de uma perspectiva mais abrangente, deve-se considerar incluído no princípio da ampla defesa, o direito à participação de uma defesa técnica (advogados) dos corréus durante o interrogatório de todos os acusados. Tal premissa faz-se necessária em virtude da colisão de interesses entre os réus, o que já seria motivo suficiente para propugnarmos pela presença do defensor daquele corréu sobre o qual incidem acusações por parte do outro. Assim, enquanto o contraditório exige a possibilidade de participação no ato processual, a ampla defesa tem sua incidência ampliada, impondo a efetiva realização dessa participação, sob pena de nulidade caso venha a prejudicar o acusado.

1.2.2 Princípio da igualdade processual

O princípio da igualdade processual, também conhecido como princípio da paridade de armas, garante o tratamento igualitário entre as partes durante todo o processo, conforme preceitua o art. 5º, caput, da Constituição Federal. Tal dispositivo da Carta Magna refere-se à chamada igualdade material, na qual os desiguais devem ser tratados desigualmente no tocante à sua desigualdade. Merece registro que, nossa CF, em seu art. 134, ressalta a garantia de tal princípio ao instituir a autonomia das Defensorias públicas.
Távora e Alencar (2010, p. 47) fazem uma crítica acerca da efetividade de tal princípio:
Seria fictícia a paridade, se o órgão ministerial, acusador oficial, desfrutasse da estrutura e condição digna e necessária de trabalho,ao passo que os defensores, assoberbados pelas demandas que acumulam, ficassem na condição de pedintes, subjugados a boa vontade do Executivo para que pudessem galgar um mínimo de estrutura para desempenhar as suas funções. Foi um pequeno passo, porém ainda há muito a se fazer.

1.2.3 Princípio da publicidade dos atos processuais

O princípio da publicidade dos atos processuais é a regra. Porém, admite-se o sigilo quando a defesa da intimidade ou o interesse social o justificarem (art. 5º, LX, CF). O CPP, em seu art. 792, § 1º, também contém previsão de sigilo da publicidade do ato que puder causar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem.
A EC nº 45 de 2004, alterou o art. 93, inciso IV, assegurando que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

1.2.4 Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da CF, que diz que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Ele está previsto em lei, a qual consagra a garantia de um processo tipificado, vedada a supressão ou mitigação de atos essenciais.
Nas palavras de José Herval Sampaio Júnior (2008, p. 137):
Vê-se que esse princípio assume dentro do processo uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador, porquanto, deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão, não havendo lugar para a interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que sejam observados os condicionamentos e limites que decorrem da cláusula due process of law.

1.2.5 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade tem sede constitucional, tendo seu âmbito de importância ressaltado pelo direito processual penal. Existe grande divergência doutrinária se tal princípio é sinônimo do princípio da razoabilidade ou se, caso contrário, não se confunde com este.
A 1ª corrente entende que proporcionalidade não se identifica com razoabilidade, uma vez que este representa uma norma jurídica com função interpretativa que conduz o julgador a decisões justas, ao passo que aquele representa um procedimento de interpretação/aplicabilidade de dada norma jurídica com o objetivo de concretizar um direito fundamental diante de um caso concreto.
A 2ª vertente entende que razoabilidade e proporcionalidade são expressões sinônimas, em que esta representa uma forma de aplicação do Direito compreendida em três etapas (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), enquanto a primeira não exige tal procedimento, pois serve tão somente para orientar o intérprete a não aceitar decisões judiciais que conduzam a abusos e arbitrariedades.
Por fim, vale ressaltar que tal princípio não pode ser aplicado em detrimento a direitos individuais do acusado, principalmente no Brasil, marcado pelo histórico de violação a direitos humanos. Tal regra não é absoluta e pode ser relativizada, conforme entendeu o STF no julgamento do HC 80949/RJ, que admitiu a hipótese restrita de sua abrangência "em caso extremo de necessidade inadiável e incontornável, situação que deve ser considerada tendo em conta o caso concreto".

1.3 A Segurança Pública e a Ordem Pública como fundamento do interrogatório on line

O art. 185, § 2º, do Código de Processo Penal, com as inovações introduzidas pela Lei 11900/09, elenca as situações em que é permitido o interrogatório por videoconferência, in verbis:
Art. 185 [...]
§ 2º  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
O mesmo artigo, ao permitir a realização do interrogatório sem a presença de réu e juiz no mesmo local, deixa claro a excepcionalidade da medida, exigindo a fundamentação da decisão que o determinar.
É justamente as situações de segurança pública e ordem pública que possuem maior conotação subjetiva, razão pela qual causam maiores debates e polêmicas.
A justificativa da segurança pública é fundamentada em razão da existência do perigo de fuga ou do preso pertencer à facção criminosa, pois como é sabido e amplamente divulgado pela mídia presos que pertencem a facções criminosas como Comando Vermelho no Rio de Janeiro e Primeiro Comando da Capital em São Paulo desafiam as forças policiais em confrontos rotineiros. Os que argumentam a favor do uso da videoconferência alegam que há altos riscos e custos na escoltas destes presos, não podendo os cidadãos e agentes públicos serem submetidos a tais riscos. Defendem ainda que tais criminosos não podem ter o mesmo tratamento que criminosos comuns pois aqueles afrontam o próprio Estado Democrático de Direito. Os que advogam contrariamente alegam que tal medida é um retrocesso das garantias individuais conquistadas, correndo-se o risco de voltarmos a processo inquisitorial, meramente formal. Aduzem que garantias individuais dos cidadãos, ainda que considerados perigosos, não podem ser banalizadas.
As alegações contrárias à permissão da utilização da medida no tocante ao pressuposto da "questão de ordem pública" é criticada pela indefinição e vagueza do termo, o que traria insegurança para a defesa. Entretanto é pacífico o entendimento que ordem pública está ligado ao convívio harmônico e pacífico dos indivíduos de uma sociedade em busca dos interesses coletivos.
Para Celso Furtado (1997, p. 132): "Ordem Pública é a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam".
Neste raciocínio, difícil será, em situações de normalidade, justificar o interrogatório por videoconferência usando o argumento de manutenção da ordem pública.
É necessário, entretanto, que se entenda que não se pode ignorar direitos fundamentais dos cidadãos presos. Contudo, tais direitos não são absolutos podendo e, sobretudo, devendo o Estado adotar medidas legais eficientes para garantir a aplicação da lei penal.

1.4 Legislação Internacional relacionada ao interrogatório virtual

Diversos países como França, Portugal, Espanha, Itália, Estados Unidos, Canadá, entre outros, promoveram modificações em suas legislações para permitir o uso da videoconferência nos processos, conforme análise do Procurador Vladimir Aras ao abordar o tema com o direito comparado. É imperativo entender que a realidade social em todo o mundo alterou-se. Invocar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) e Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos elaborados na década de 60, para fundamentar a negativa do interrogatório por videoconferência não nos parece coerente e razoável. Os tratados de épocas mais recentes como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional são taxativos em permitir o uso de recursos tecnológicos no combate a criminalidade, em especial o uso da videoconferência. Mais uma vez é preciso reforçar a ideia que a tecnologia atual permite conciliar a defesa ampla e irrestrita dos acusados com a eficiência processual, rechaçando-se os argumentos impeditivos para a efetiva utilização da videoconferência.

2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS ACERCA DA UTILIZAÇÃO DO MECANISMO TECNOLÓGICO
Existem duas correntes teóricas que ajudam a explicar os argumentos positivos e negativos da utilização desse novo mecanismo tecnológico.
A primeira delas, apoiada no garantismo penal, argumenta acerca dos aspectos desfavoráveis da medida, apontando que a videoconferência violaria o princípio fundamental da ampla defesa (tanto técnica quanto autodefesa), pelo fato de impedir a presença física do interrogado na audiência.
Gervan de Carvalho Almeida (2008, p.124), esclarece a política criminal defendida por tal corrente:
O Garantismo, por sua vez, situa-se como uma política de direito penal mínimo, eis que seu fundamento primordial é que o Direito Penal não é o grande "remédio para todos os males da sociedade", devendo, por conseguinte, ser reservado para aqueles casos mais graves.
Tal modelo penal não deseja a punição de todas as condutas criminosas, mas sim a dos delitos em que reste comprovada a culpabilidade do agente. Defende, assim, algumas medidas a serem adotadas pelo Poder Público, como a descriminalização de condutas insignificantes ou não mais reprováveis socialmente, a descarcerização e a despenalização, viabilizando a aplicação de penas alternativas.
Com base no exposto acima, faz-se mister salientar a importância da preservação do princípio da ampla defesa durante a fase de depoimentos, a fim de se garantir um efetivo contraditório, evitando-se o risco de se condenar inocentes e absolver culpados. Tal princípio em momento algum sofre qualquer risco de mitigação, pois a própria lei é expressa em garantir o direito de conversa reservada do réu com o seu defensor antes da audiência, bem como a presença de um defensor no fórum e outro no presídio.
Pacceli (2010, p. 35-36), na mesma esteira, complementa a importância do modelo garantista no atual Estado Democrático de Direito:
[...] a solução de um caso penal somente poderá obter legitimidade quando fundada em procedimento judicial no qual se permitam o mais amplo conhecimento dos fatos e a mais ampla possibilidade de argumentação jurídica. Procedimento, então, realizado em contraditório, para que possam os interessados (autor e réu) participar intensamente de todas as questões debatidas, e, mais que isso, em que a atividade defensiva seja a mais ampla possível.
Dentre os argumentos contrários à adoção do mecanismo, pode-se citar:
a) Violação ao princípio da publicidade dos atos processuais, pois como o ato será realizado numa sala do presídio a fim de garantir a segurança e manutenção da ordem pública, seria um contra-senso franquear amplo acesso da população interessada em assistir ao interrogatório, pois tal fato iria colidir com a finalidade preconizada pela inovação.
Neste sentido, Tourinho Filho (2009, p. 536) faz duras críticas ao modelo processual no tocante à violação do princípio da publicidade:
Difícil será fazer respeitar o princípio da publicidade, dogma constitucional. Decerto as autoridades responsáveis pelo presídio não irão abrir as portas do estabelecimento para que as pessoas que quiserem assistir ao interrogatório possam fazê-lo. Não irão nem poderão, por medida de segurança. Se por um lado há a vantagem de se evitar eventual fuga, por outro vamos voltar ao tempo da Inquisição, com os interrogatórios entre quatro paredes.
Entretanto, ao contrário do que acima foi afirmado, a adoção da medida acabaria por reafirmar o princípio da publicidade, uma vez que várias pessoas poderiam, por exemplo, acompanhar a audiência virtualmente pela Internet, inclusive os parentes e familiares que não quisessem comparecer à sessão poderiam valer-se da Internet para acompanhar a retransmissão simultânea dos atos praticados na sessão.
b) Impedimento do contato físico entre juiz e acusado, o que acarretaria em prejuízos para a instrução do feito, haja vista que o magistrado não teria possibilidade de conhecer e perceber a personalidade e o caráter do indiciado. Os adeptos dessa tese advogam que é extremamente necessário que o magistrado possa perceber as reações físico-emocionais do acusado para que consiga delinear o perfil do denunciado e formar sua convicção.
Neste sentido é o posicionamento de Tourinho Filho (2009, p. 538):
É pelo interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena. Ademais, malgrado meio de defesa, durante o interrogatório colhe o Juiz elementos para o seu convencimento. É natural, pois, a necessidade desse contato entre julgador e imputado, quando aquele ouvirá, de viva voz, a resposta do réu à acusação que se lhe faz.
No mesmo sentido, posiciona-se Dotti (apud NUCCI, 2009, p. 428) ao afirmar que:
A tecnologia não poderá substituir o cérebro pelo computador e muito menos o pensamento pela digitação. É necessário usar a reflexão como contraponto da massificação. É preciso ler nos lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinqüente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio de Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão.
Com a devida vênia do posicionamento dos renomados autores, não será o juiz o responsável por fazer este "laudo psicológico" acerca do acusado, mas sim os psiquiatras forenses. Ademais, não poderá o juiz fundamentar sua decisão com base em critérios subjetivos que pôde perceber quando do contato com o réu. Por mais que o magistrado fique convencido da falsidade das declarações ou inverdades proferidas, jamais poderá tomar estes elementos como referência para fundamentar sua decisão.
Ademais, a modalidade on-line não mitiga o princípio da necessidade de presença física do juiz, uma vez que a transmissão das imagens é em tempo real e interativa, na qual as indagações são feitas diretamente ao réu, sem intermediários. Ao magistrado, defensor do acusado e Promotor de Justiça são assegurados pleno contato com o réu durante a audiência. Existem dois monitores na sala, um focado no réu e captando todas as reações corporais por ele expressadas e outro que reproduz num ângulo de 360º a imagem panorâmica de todo o recinto da audiência.
O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e o Pacto de Nova Iorque (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) dos quais o Brasil é signatário, prevêem o direito do réu de prestar seu depoimento desde que na presença do juiz. A partir destes diplomas legais, inúmeras vozes ecoaram para defender a inconstitucionalidade da Lei 11900/09.
Porém, fazendo-se uma interpretação sistemática do dispositivo, apreende-se que não há exigência de que tal apresentação seja física, pessoal, nada impedindo que possa ocorrer virtualmente, desde que asseguradas todas as prerrogativas legais.
No mesmo sentido, a CR/88 não exige o comparecimento físico do acusado perante o juiz, conforme se extrai do seu art. 5º, LXII, in verbis: "a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre preso serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada".
Corroborando nosso entendimento, preleciona o desembargador Ferraz de Arruda (HC nº 52136/07-RJ):
O argumento de que o contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aniquilar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica. Em vinte anos de carreira, não li e nem decidi um processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos, do Código de Processo Penal.
c) Enormes gastos para a compra de equipamentos, montagem e manutenção dos mesmos nos fóruns e presídios, o que acabaria por inviabilizar o objetivo primordial da lei que é dar tramitação rápida a processos de réus de alta periculosidade.
d) Dificuldade da espontaneidade do ato, uma vez que por realizar-se dentro do estabelecimento prisional, o réu geralmente ficaria constrangido e com medo de delatar outros infratores que com ele praticaram o ato criminoso, ficando receoso com as atitudes dos outros presos caso descubram que ele o entregou. O medo se estende a de pagar com sua própria vida a confissão.
Em contraposição aos argumentos da 1ª corrente, surgiu uma segunda, denominada Eficientismo, defendendo a utilização da videoconferência, apoiando-se em premissas ligadas à economia processual e celeridade dos julgamentos. Um dos críticos das ideias por ela defendidas é o notável jurista Luigi Ferrajoli.
Ferrajoli (1985, p. 23) esclarece os ideias do Eficientismo:
O Eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado "políticas criminais autoritárias", anti-garantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita e seus corolários. Essa política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende obter reside em que nenhum culpado fique impune.
Tal modelo busca a redução da criminalidade pela atuação estatal, a qual tem sido ineficiente, provocando assim a criação de novas figuras típicas pelo Legislativo, a supressão de garantias individuais e a utilização de tortura para obtenção de confissões e delações. Tais medidas acabam gerando um aumento no número de crimes, ocasionando, novamente, a atuação das autoridades policiais, agora de maneira mais repressiva e interventiva, configurando dessa forma um círculo vicioso interminável.
As principais teses argumentativas favoráveis à adoção da medida são as seguintes:
a) Preservação da integridade física do juiz, dos serventuários da Justiça e dos membros do MP, evitando-se que se desloquem até o presídio para colheita do depoimento do réu, principalmente em virtude de alta periculosidade do mesmo, muitas vezes integrante de facções criminosas. Assim, o interrogatório por videoconferência evitaria um contato físico próximo que pudesse colocar em risco a integridade física de qualquer dos presentes na sessão. Vale ressaltar que se o Estado tem sido ineficiente no cumprimento de sua obrigação de garantir segurança básica ao cidadão comum, o que dizer da integridade de membros do poder público quando em contato com outros presos de facções criminosas ou quadrilhas de extermínio?
b) Possibilidade de maior liberdade e autonomia para que as testemunhas possam prestar seus depoimentos, uma vez que a presença do acusado juntamente com seus familiares poderia intimidá-las ou amedrontá-las em virtudes de possíveis ameaças, retaliações ou coações que pudessem vir a sofrer antes ou após a audiência.
As recentes reformas do Judiciário, principalmente após a vigência da EC 45/04, pautam-se pela busca da efetivação e celeridade processuais no julgamento dos feitos, uma vez que a espera do cumprimento de cartas em outra jurisdição e tomada de depoimento de testemunhas em comarcas contíguas acaba por retardar a entrega da prestação jurisdicional. Com a utilização do interrogatório virtual, seria possível um encerramento e entrega da resposta jurisdicional num lapso temporal menor.
Ronaldo Pinto disserta sobre o tema em artigo denominado "Interrogatório on line ou virtual: Constitucionalidade do ato e vantagens em sua aplicação", argumentando que:
[...] A inovação privilegia, principalmente, a celeridade do processo. Celeridade, que é preciso se ressaltar, não é benéfica apenas à sociedade, que tem uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido, mas, principalmente, ao réu que, preso, vê sua situação mais rapidamente definida. As constantes delongas que assolam o regular andamento do processo, causadas, como já apontamos, por problemas no deslocamento dos réus presos (isso sem falar nas mega-operações organizadas para o transporte de acusados perigosos, onde até helicópteros são utilizados e enorme contingente de pessoal mobilizado), são evitadas com o interrogatório a distância.
c) Economia burocrática e financeira, evitando-se gastos vultosos por parte do Estado no transporte, escolta e alimentação dos réus. [01]
d) Prevenção de fugas dos presos durante o trajeto até o Fórum onde irão prestar seus depoimentos, chegando a colocar em risco até mesmo a integridade dos policiais que estiverem na escolta, pois grupos armados ligados aos acusados poderão organizar forte esquema de ataque às viaturas onde se encontram tais bandidos. Com isso, pode-se refletir que a utilização da medida em muito contribuiria para um maior policiamento ostensivo nas ruas, garantindo segurança à população, vez que ocorreria significativa redução do efetivo policial utilizado na escolta, segurança e deslocamento de réus para prestarem seus depoimentos.
Em recente artigo publicado na Revista Jus Navigandi, intitulado "Lei que permite interrogatório por videoconferência economizará R$ 6 milhões", o pesquisador do IPC-LFG, Danilo Fernandes Christófaro, apresenta estudo estatístico realizado na cidade de São Paulo na qual conclui que a adoção da videoconferência acarretará em economia de 6 milhões de reais para as finanças do referido Estado, além de se disponibilizar cerca de 900 policiais para o policiamento ostensivo nas ruas. Tal pesquisa revelou que as locomoções de presos em 2008 para apresentação em juízo custaram aos cofres públicos R$ 6.637.868 e contaram com o emprego de 63.980 viaturas. Se somados os gastos dos três últimos anos, os valores ultrapassam a casa dos R$ 17 milhões, entre alimentação, estadia, salário de policiais, combustível e manutenção de veículos. Segundo dados coletados pela Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo no ano de 2008 (antes da vigência da Lei 11900/09), mais de 120 mil policiais foram usados na escolta de 186.437 presos e adolescentes para interrogatórios em juízo. Na época do levantamento desses dados, o Estado contava com aproximadamente 155 mil presos, que, na maioria das vezes, se deslocavam mais de uma vez por ano para apresentação em juízo.
Portanto, a efetiva utilização do mecanismo em muito contribuiria para que se reduzam os gastos do Estado e se alcance a tão desejada celeridade processual.
Vale registrar que a primeira iniciativa de implantação do sistema no Brasil deveu-se ao ato do então jurista à época, Luis Flávio Gomes.
Segundo relato do próprio jurista:
Em 1996, quando eu ainda era juiz de direito em São Paulo, realizei os primeiros interrogatórios on-line no nosso país (provavelmente os pioneiros também da América Latina). Naquela época dávamos a denominação modem-by-modem, porque não tínhamos recursos tecnológicos suficientes para se fazer a videoconferência (que hoje permite a interação de áudio e vídeo: um interlocutor veja e escuta o outro, pode dialogar com o outro). O tema gerou muita polêmica, que até hoje perdura.
Como se depreende da narração do renomado tratadista, houve grande evolução tecnológica capaz de permitir um aprimoramento de todo o sistema. Agora, incumbe ao Poder Público implantar e gerir todo o sistema, o que requer investimentos na manutenção de todo o aparato.
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